O Congresso Nacional está prestes a criar algo até
pouco tempo impensável na Justiça Trabalhista: os honorários de sucumbência,
que nunca foram pagos nem a empregados nem a empregadores – a não ser em uma
situação bem específica (quando a parte é beneficiária de justiça gratuita e
assistida por advogado de sindicato).
Agora, se um projeto de lei que modifica a
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) – já aprovado na Câmara dos Deputados –
receber parecer positivo também no Senado Federal e for sancionado pela
presidente Dilma Rousseff, advogados trabalhistas passarão a receber, além dos
honorários contratuais, os sucumbenciais.
Uma campanha pela dignidade
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) comemorou a
aprovação na Câmara dos Deputados do projeto de lei que estende os honorários
de sucumbência aos advogados trabalhistas. No Paraná, a instituição vem lutando
pela valorização dos honorários advocatícios com a campanha “Honorários dignos.
Uma questão de justiça”, lançada em maio.
A campanha visa atingir tanto advogados,
conscientizando sobre a importância da valorização do trabalho, quanto outros
operadores do Direito. “Em especial os juízes que vêm menosprezando e
arbitrando honorários cada vez menores [aos advogados], e isso acaba diminuindo
como um todo a remuneração, prejudicando a qualidade do serviço”, aponta o
presidente da comissão em defesa dos honorários dignos da OAB-PR, Maurício
Guedes.
Segundo ele, muitos advogados atuam em algumas
causas pensando apenas nos honorários de sucumbência. “Há muitos que pegam um
cliente mais carente e, vendo que ele possui aquele direito, acabam
patrocinando a causa inicialmente, sabendo que no final ele vai ser remunerado
pela parte oposta”, conta. O presidente da comissão destaca que a campanha
também se direciona a empresas que acabam desembolsando honorários vergonhosos
aos seus empregados.
Mito
O fim do jus postulandi
Até agora, a justificativa para não se estender os
honorários de sucumbência à Justiça do Trabalho era o princípio do jus
postulandi, ou seja, a não obrigatoriedade da presença do advogado para ajuizar
uma ação. “Mas isso é um mito. O processo do trabalho atingiu tal complexidade
que, se a parte entrar com a ação sozinha, é massacrada”, avalia o juiz da Vara
do Trabalho de Pinhais, Lourival Barão Marques. Esse é, inclusive, outro
princípio que pode ser extinto da Justiça trabalhista se o projeto de lei for
aprovado.
Honorários de sucumbência
São os honorários que a parte vencida tem de pagar
ao vencedor para que este seja reembolsado dos gastos que teve com a
contratação do advogado que defendeu seus interesses no processo. Pela lei,
esse valor deve variar entre 10% e 20% da importância da condenação. O Estatuto
da OAB, Lei Federal nº 8.906/94, prevê no art. 22: “A prestação de serviço
profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários
convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência”.
Os especialistas consultados pela reportagem foram
unânimes com relação ao cabimento dos honorários sucumbenciais na Justiça do
Trabalho. Para eles, o pagamento é cabido e tende a diminuir o volume de
pedidos e de ações desnecessárias. É o que pensa o desembargador do Tribunal
Regional do Trabalho do Paraná Célio Waldraff. Segundo ele, garantir os
honorários de sucumbência em causas trabalhistas deve evitar que as partes
ajuizem ações infundadas, pois, se a causa for perdida, o prejuízo será maior.
Além disso, fará com que o empregador pense melhor antes de sonegar direitos do
trabalhador. “O bom empregador está em situação desigual em relação ao
empregador que só paga em juízo com chances de fazer um acordo e não ter que
pagar honorários. [A condenação em honorários sucumbenciais] encarece o
descumprimento da lei”, aponta.
Críticas
Contudo, o projeto, que tramita com certa
celeridade no Congresso, traz pontos polêmicos e divide principalmente a
opinião de magistrados e advogados. Conforme a proposta, os honorários de
sucumbência para os advogados trabalhistas podem variar entre 10% e 20% do
valor da condenação. Mas é justo que o advogado receba, além do honorário
combinado com o cliente, essa verba estipulada pelo juiz?
O juiz federal em Maringá José Jácomo Gimenes
acredita que não. Ele defende que, ao contrário do que é estipulado pelo
Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), os honorários de sucumbência
deveriam ser revertidos à parte e não ao advogado. “O processo trabalhista
carrega um grave defeito. O reclamante gasta de 20% a 30% com advogado para receber
seus direitos e acaba ficando com apenas 70% a 80% do seu crédito, ferindo
mortalmente os princípios da reparação integral e do processo legal justo”,
afirma.
Mas há outros pontos controversos. Apesar de
concordar com a garantia dos honorários de sucumbência para os advogados
trabalhistas, o juiz da Vara do Trabalho de Pinhais, Lourival Barão Marques
acredita que o projeto de lei apresenta alguns erros. O primeiro deles é a
vedação da condenação recíproca e proporcional da sucumbência, ou seja, o cálculo
de honorários proporcionais ao número de vitórias na ação. “Essa condenação
recíproca visa impedir o uso abusivo do processo, é um equívoco imenso retirar
isso do projeto”, afirma.
Para Gimenes, essa crítica é improcedente, pois os
honorários proporcionais e recíprocos prejudicariam o empregador. “A
possibilidade de o juiz fixar honorários de sucumbência entre 10% a 20% em
favor do reclamante, incidente somente sobre o reconhecido judicialmente, já
contém compensação e proporcionalidade”, diz.
Outro ponto de discordância, segundo Marques, é a
previsão, no projeto, de os tribunais serem os responsáveis pelo pagamento dos
honorários de sucumbência se a parte estiver assistida por sindicato de classe.
“Isso vai estatizar e transportar para a União o pagamento de uma relação
nitidamente privada”, explica.
STJ decidirá sobre honorários em execução
provisória
Outra discussão que envolve os honorários
advocatícios se estende há anos no Superior Tribunal de Justiça (STJ). A
matéria, que pretende definir se os advogados têm direito de receber honorários
de sucumbência relativos ao cumprimento provisório de sentença, está em
julgamento na Corte Especial do órgão. No entendimento de nove dos 14 ministros
que já proferiram seus votos – o presidente da Corte só vota em caso de empate
–, os advogados não devem receber os honorários em execução provisória. Mas,
como um dos ministros pediu vista do processo, o julgamento ainda será retomado
e os demais podem mudar de ideia.
A tese é discutida em dois recursos especiais interpostos
pela Petrobras contra o pedido de advogados de cerca de 3 mil pescadores
artesanais do Paraná que ganharam ações de indenização contra a estatal. A
empresa foi considerada responsável pelo rompimento de um duto na Serra do Mar
e por um vazamento de substâncias inflamáveis de um navio no Porto de
Paranaguá, em 2001, o que impediu a pesca na região por sete meses.
A maioria dos pescadores já recebeu as
indenizações, garantidas pela execução provisória das sentenças. Por essa
razão, os advogados que atuaram na causa solicitaram o levantamento dos
honorários fixados em juízo como pagamentos pelo trabalho em favor dos
pescadores. O relator da ação, ministro Luís Felipe Salomão, destacou em seu
voto que “em nenhuma hipótese” se discute o direito certo dos advogados de
receberem honorários, mas quando devem receber. Ainda não há previsão para o
retorno do julgamento.
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